Resenha de Filme – Shrink (2009)

Shrink, é um filme longa metragem de 2009, com Kevin Spacey no papel de Dr Carter, um famoso Psiquiatra que atua como terapeuta clínico. O tema central da obra é sua vida pessoal e profissional, e suas relações com as questões trazidas por seus pacientes.  A história se passa em Los Angeles, Califórnia, no meio de celebridades de Hollywood, algumas das quais são pacientes do Dr. Carter.

Carter é também escritor bem sucedido na cidade onde atua. Porém, o mesmo vive uma depressão profunda, fuma excessivamente, não dorme bem, faz uso de drogas ilegais e se embriaga constantemente desde que sua esposa cometeu suicídio. Ironicamente, seu livro sucesso de vendas é sobre a felicidade e as formas de não se sentir triste. Sua família tenta de várias formas ajudá-lo, mas ele nega que isto seja necessário.

Carter continua seu trabalho de terapeuta. Atende Patrick, um renomado agente de talentos que tem pânico, ansiedade, atitudes obsessivas de autodefesa, mania de perseguição e insônia. Ele não se conforma em sentir estes sintomas, e sente que existe perigo em todo lugar, nos germes, possibilidades de acidentes e outros, e que não sabe como deveria se sentir seguro em meio a tudo isso. 

Durante o filme, Carter aprofunda sua crise ao sentir que não consegue atuar sobre o sofrimento de seus clientes, até que começa a atender uma paciente enviada por seu pai. Seu nome é Jemma, uma estudante aficionada por filmes. Desde que perdera a mãe passou a matar aulas para ir ao cinema e a se comportar estranhamente no colégio. Por este motivo, foi obrigada a se consultar para não ser expulsa.

Chegando ao consultório de Carter, se mostra bastante resistente ao tratamento, dizendo que não precisava de ajuda. Aos poucos começa a se entregar à terapia, e acaba revelando que no fundo estava gritando por socorro, por não conseguir entender as causas da morte de sua mãe.

Carter vai ao fundo do poço quando encontra seu cachorro de estimação morto, seu único companheiro em casa, o qual tinha sido dado por sua esposa. Ao tentar enterra-lo enquanto estava sob efeito de uma droga impura comprada no dia anterior, desmaia e acorda no hospital.  Depois de recuperado decide ler a carta que sua esposa deixara. Após isso, joga fora todos os remédios e drogas que tinha em casa.

Ao final, Jeremy, que é amigo de Carter que está em crise por não conseguir escrever, consegue desenvolver uma história ao ler o prontuário de Jemma. A história triste da garota impressiona a todos, inclusive Jemma, que consegue um contrato com Patrick para a produção de um filme.

Depois de tantos desafios e reencontros, Carter tem um breve dialogo com Jemma, onde concluem que a dor nunca vai embora, mas que continuam vivos para seguir em frente, independentemente dela.  Jemma consegue jogar fora todos os bilhetes que possuía dos filmes que assistiu no cinema com sua mãe, e que ainda mantinham fortemente sua ligação com o sofrimento por sua morte.

É interessante neste filme como Carter só consegue seguir adiante quando estes pacientes trazem problemas parecidos com o seus. Eles forçam o terapeuta a olhar mais para dentro de si e encarar seus sofrimentos. Jemma, que foi trazida por seu pai intencionalmente, consegue sensibilizar Carter com sua história de vida, por ter perdido também uma figura feminina importante em sua vida, a mãe. Sua coragem em ler a carta deixada pela mãe, que cometera suicídio, também encorajou Carter a lidar com sua ferida, inclusive a ler a carta deixada por sua esposa.

O luto, neste caso, é uma resposta natural que temos relacionada à perda de uma pessoa amada em função de sua morte (Parkes, 1998). Papalia e Olds (2000) entendem que a perda uma pessoa importante pode abalar significativamente quase todos os aspectos da vida de uma pessoa, e o processo de luto funciona como ajustamento a esta nova situação.

Na situação do filme, Carter vive o arquétipo de Kiron, o curador ferido (Jung, 2008), e consegue ajustar seu processo de luto ao entrar em contato com o processo de Jemma. Para Jung, desde que um terapeuta começa a interagir com os pacientes, os processos de conscientização vivenciado por ambos começam a se influenciar mutuamente. Neste sentido, o processo de cura, apesar de ser guiado pelo terapeuta, começa a operar simultaneamente nos dois, sendo que Kiron, personagem da mitologia grega, representaria interessantemente este movimento.

Também seu encontro com Patrick no início do filme revela sua incapacidade de lidar com o próprio medo diante da morte da esposa. Fica claro numa cena, quando o paciente fala de seus medos inseguranças enquanto Carter divaga em seus pensamentos, até que solta uma pergunta, como se estivesse tão interessado quanto o paciente na resposta: “você sabe por que se sente assim?”. Só se dá conta quando o paciente responde surpreso: “Está falando sério? É por isto que eu vim até você!”. Carter provavelmente sentiu em si inseguranças semelhantes às de Patrick.

Um momento crítico ocorre durante uma desastrosa entrevista a um programa de televisão. Carter é perguntado sobre o porquê das pessoas suicidarem. Apesar de não ser de conhecimento público este fato, Carter começa a dizer impropérios sobre si mesmo, se declarando uma fraude e pedindo para que não comprem seu livro. Naquele momento foi novamente chamado a refletir sobre suas dificuldades e sentimentos negativos que possuía.

Outro tema importante e retratado de forma bastante coerente neste filme é a forte tendência ao uso de medicamentos e outras drogas ilegais por pessoas que estão em dificuldade de entrar em contato com a realidade. Tanto Carter quanto alguns de seus pacientes fazem uso excessivo de diversas drogas como maconha, cocaína e álcool, numa tentativa de não estar sóbrio diante do que têm de enfrentar.

Diante do quadro geral apresentado pelo filme, vemos diversas áreas de interesse para a atuação do psicólogo, a começar pela psicologia clínica, que é tema central do filme por ser Carter um terapeuta atuante.

Também a questão do luto se faz presente tanto na psicologia clínica quanto na psicologia da saúde. É necessário que o psicólogo conheça as fases do luto com suas características, e que saiba até onde esta vivência está se realizando de forma saudável. A vivência do luto não é patológica em si, mas podem surgir dificuldades intensas e possíveis doenças psíquicas advindas deste processo. No filme, fica bastante claro nas passagens citadas como o processo de luto de Carter ultrapassa a barreira do saudável, e começa a prejudicar de forma quase irreversível a sua vida profissional e pessoal.

Por fim, o consumo excessivo de drogas, lícitas e ilícitas, é tema central para psicólogos, não só aqueles atuantes na área clínica. Considerando o tratamento de dependentes e os processos de doença mental que estas substâncias podem desencadear, profissionais da psicologia da área hospitalar e de saúde mental estão constantemente em contato com estas realidades, as quais são retratadas intensamente neste filme. O episódio da reunião familiar, na tentativa de ajudar Carter, e a conversa que teve com seu paciente Jack retratam de forma bem real a dificuldade que pessoas nesta condição têm de enxergarem a gravidade do problema que estão vivendo, e de aceitarem ajuda externa.

O filme pode ser considerado profundo e intenso. Traz diversos elementos de importância para os profissionais da área da psicologia, que são retratados de forma bastante realista. Nem todos os casos terminam de forma positiva como relatado no filme. Não obstante, como uma escolha do autor, neste roteiro temos um final saudável para quase todos, o que também não é algo irreal.

 

Jung, C.G. (2008). Arquétipos do Inconsciente Coletivo. Petrópolis: Vozes

Parkes, C. M. (1998). Luto: estudos sobre a perda na vida adulta. São Paulo: Summus

Papalia, D. E. & Olds, S. W. (2000). Desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artes   Médicas Sul.

Rafael de Carvalho Oliveira